segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Panama Papers: O que o escândalo pode mudar no sistema financeiro mundial Marina Wentzel De Basileia (Suíça) para a BBC Brasil

O vazamento de mais de 11 milhões de documentos da firma panamenha Mossack Fonseca retirou o manto de anonimato de atividades legais e ilegais de pessoas e empresas, que mantinham patrimônio e transações ocultas em empresas registradas em paraísos fiscais.
Como a exposição de contas de chefes de Estado, grandes empresas, celebridades e organizações vai refletir no modo de o mercado financeiro se organizar? Estarão as empresas offshore com os dias contados?
A BBC Brasil conversou com especialistas que acreditam que os chamados Panama Papers deverão ajudar a controlar o fluxo de dinheiro obscuro e acelerar a implementação de novos instrumentos legais e tecnologias – que, da mesma forma, poderão ser utilizados tanto para o bem quanto para o mal.
É importante lembrar que contas offshore não são por si só ilegais, desde que devidamente declaradas ao Fisco: podem ser uma forma de investir-se em bens e ativos no exterior. Muitas vezes, porém, transações em paraísos fiscais são usadas para evadir impostos, lavar dinheiro ou ocultar o real dono da fortuna depositada.
"O caso (dos Panama Papers) vai ajudar a controlar o fluxo de dinheiro ilícito", opina Mark Pieth, professor de criminologia da Universidade da Basileia e diretor do Basel Institute of Governance.
Pieth esteve no Panamá assessorando jornalistas que investigaram o caso. Ao todo, mais de 107 veículos de comunicação do mundo se mobilizaram para revisar os dados. Entre os profissionais auxiliados por Pieth estava o núcleo investigativo que estabeleceu a conexão entre o líder russo Vladimir Putin e o seu amigo músico Sergei Roldugin, suspeito de servir como laranja para o político – algo que o governo russo nega.
"Por muito tempo aceitamos a existências desses centros offshore. Todos criticavam, mas quando chegava a hora de fazer algo a respeito todo mundo tinha o seu próprio pequeno paraíso. Veja a França com Mônaco, a Suíça com Liechtenstein, a Grã-Bretanha como as Ilhas do Canal; a Holanda com Aruba e os Estados Unidos com Delaware", constatou Pieth.
"Ao ver quem tem essas contas, você entende por que os políticos não estiveram seriamente interessados em combater (os paraísos fiscais). O caso do premiê britânico, por exemplo, cuja a família tem contas lá, é muito interessante", disse em referência a Ian Cameron, pai de David Cameron.
O fundo de investimentos de Ian estava registrado em um paraíso fiscal, o que permitia que não pagasse impostos no Reino Unido.

Legislação

Segundo Pieth, os Panama Papers ajudarão a acelerar ferramentas legais para combater ilegalidades nesse meio, especialmente no âmbito da OCDE (organização que reúne países mais desenvolvidos), onde medidas coordenadas já vem sendo discutidas.
A organização compilou um pacote de recomendações para lidar com o problema de BEPS (Base Erosion Profit Shifting), que em tradução livre significa a erosão da base tributária e o deslocamento de lucro.
BEPS ocorrem quando empresas adotam estratégias fiscais agressivas, que se aproveitam de brechas nas leis para evitar o pagamento de impostos. O lucro é maquiado ou desviado para localidades onde a atividade econômica não aconteceu, com o único objetivo de sonegar.
"As pessoas estão cansadas de ver as empresas indo para esses paraísos por causa da evasão fiscal", diz Pieth.
Um exemplo descoberto no vazamento dos Panama Papers ocorreu em Uganda. Uma petroleira evadiu US$ 400 milhões em impostos. O dinheiro, que poderia ter servido aos cidadãos, foi remetido repetidas vezes a diversos paraísos fiscais embaralhando a rota de evasão. Após anos de litígio, o montante não pode ser resgatado pelo país africano.
Os mecanismos usados pela Mossack Fonseca, entretanto, não atendiam somente clientes corporativos.
Em 2005, lei da União Europeia passou a exigir que bancos retivessem impostos diretamente nas contas de clientes residentes no continente. Por causa da nova legislação, os bancos passaram a recomendar aos correntistas que abrissem empresas em paraísos fiscais como forma de evitar impostos.
Somente naquele ano, a Mossack Fonseca ajudou a criar 1.814 empresas de fachada. Foi um salto expressivo em comparação às 543 abertas em 2004, ano anterior.
Entre todas as mais de 210 mil empresas de fachada criadas desde os anos 70, praticamente um terço delas foi fundado entre os anos de 2005 e 2008, justamente após a mudança da lei europeia.

Crimes

Diretor do Instituto de Pesquisa em Finanças da Universidade de Genebra, o professor Harald Hau afirma que empresas offshore em paraísos fiscais trazem problemas mesmo quando envolvem operações que transcorrem dentro da lei.
"Empresas de fachada obstruem a justiça em países emergentes. A real questão não é tanto se a estrutura é legal ou não. Isso é uma cortina de fumaça. A questão é que atividades fraudulentas não podem ser levadas à justiça porque evidências importantes – ou seja, o rastro do dinheiro – estão ocultas", explica.
Hau acredita que acabar com as empresas de fachada em paraísos fiscais não será possível, mas o escândalo do Panamá contribuirá para o enfraquecimento desse modelo e novas tecnologias que permitam rastrear a origem do dinheiro serão uma realidade no futuro.
"Blockchains (sistema que ajuda a atestar a validade contábil de uma transação) registram a propriedade a qualquer momento. Se os ativos mais importantes do mundo já estivessem sujeitos a essa transparência, este seria um mundo muito melhor", acredita.
A tecnologia blockchain está presente no código criptografado das moedas virtuais. Cada nova transação realizada por uma unidade monetária está atrelada à transação anterior, como uma anotação de entrada e saída. Isso ocorre sucessivamente de modo que todo o histórico de movimentação possa ser remontado.
Apesar da capacidade de rastreamento digital, ainda assim o sistema estaria vulnerável a fraudes no mundo real: "empresas de fachada ainda poderiam ser donas de títulos nessas moedas", exemplifica Hau.
A eficiência das moedas digitais é de toda forma controversa, pois não há lastro (reserva de valor) nem a garantia dada por uma instituição emissora (banco central).
Além disso, atividades ilegais que ocorrem na internet são muitas vezes negociadas por meio dessas moedas virtuais, em sites que agem como atravessadores.
"O ponto é que a tecnologia blockchain poderá levar em última instância à transparência de todos os ativos globais dependendo da forma como venha a ser implementada", aposta Hau. "Mas no momento ainda estamos muito longe disso."

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